domingo, 19 de julho de 2009

O trabalho da OEA

A revogação da suspensão de Cuba da OEA e a crise política em Honduras têm estado em evidência nos últimos dois meses. Hoje teremos a honra de contar com um provocativo ensaio do analista internacional mexicano Jesus Alejandro Alcantar Salinas, que tem um posicionamento bastante crítico em relação ao papel da OEA no continente e à influência dos Estados Unidos na organização -- Salinas é especialista no estudo da suspensão de Cuba da OEA em 1962. Segue abaixo o ensaio:

Depois de mais de 60 anos de existência, o que a OEA fez de significativo no Continente Americano?
A anulação da “resolução 7”, que suspendeu Cuba da OEA, em 1962, somente confirmou a incompetência da organização e a enorme influência estadunidense nas suas decisões. A revogação da suspensão de Cuba, durante a XXXIX Assembléia Geral, no mês passado, juntamente com a condenação do golpe cívico-militar em Honduras, têm sido, além da Corte Interamericana de Direitos Humanos, os feitos mais importantes da OEA desde a sua criação.
No entanto, as manifestações no assunto cubano e hondurenho apenas foram um “ato simbólico”. Na prática tudo ficou igual. Mas, quem quer atos simbólicos? Mais de 60 anos de vida e a organização interamericana somente tem servido como espaço físico para a mediação de algumas crises e para o envio de algumas missões de observadores eleitorais. E que mais?
A OEA assistiu confortavelmente a todos os golpes na América Latina, a ingerência dos Estados Unidos na região, as crises continentais, o aumento da pobreza, e até os dias atuais não tem cumprido fielmente os princípios e objetivos da Carta Interamericana.
Então, qual é o sentido da sua existência? Por que não condenou os golpes na América Latina no século XX como fez há poucos dias no caso de Honduras? No entanto, não é suficiente somente condenar, precisamos de uma organização mais pragmática, altamente eficiente, que tenha decisões próprias, que seja contundente nas suas resoluções e que as faça valer.
A organização com sede em Washington só tem criado uma burocracia continental que assiste ao embargo econômico que os Estados Unidos mantêm a Cuba há quase 50 anos.
A OEA tem sido um mero instrumento de poder que serve aos interesses do governo estadunidense.
Por isto, não vejo que Cuba tenha sido reticente com a OEA ao se negar em voltar a participar no sistema interamericano. Não há muito sentido em participar. Quase não há benefícios ao participar na organização interamericana. O governo cubano é mais pragmático. As reuniões e discussões que acontecem em Washington podem ser feitas em qualquer lugar sem a necessidade de pertencer à OEA. Cuba está sendo realista.
Independentemente do desfecho da situação em Honduras e do papel de líder que a OEA assumiu no conflito, se esta Organização Internacional quiser ter um papel determinante e ser protagonista nas relações internacionais continentais, terá que trilhar por caminhos diferentes, com decisões independentes e determinantes e sem ingerência de qualquer país.
Acredito que o “novo momento” da política externa dos Estados Unidos pode ser aproveitado para a reformulação de uma OEA que seja muito mais eficiente da que temos visto nas últimas décadas.


Este ensaio nos inspira a fazer várias reflexões. Agora gostaríamos de saber o que o leitor acha sobre o tema. O papel da OEA é pernicioso e atentatório à democracia no continente? É a OEA um "joguete" da política externa dos EUA? Ou o pós-Guerra Fria permitiu uma nova abordagem nas relações entre a OEA, os EUA e os demais Estados americanos? Convidamos você leitor a deixar seus comentários sobre o assunto.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

"A Rússia hoje" -- Entrevista exclusiva com Angelo Segrillo (Parte III)


Reproduzimos abaixo a terceira e última parte da entrevista exclusiva concedida por Angelo Segrillo ao blog Urbi et Orbi:


Urbi et Orbi: Medvedev e o presidente norte-americano Barack Obama possuem muitos pontos em comum: ambos são líderes políticos muito jovens [Medvedev tem 43 anos e Obama, 47], detêm larga experiência no mundo acadêmico [Medvedev lecionou na Universidade de São Petersburgo entre 1991 e 1999 e Obama, na Universidade de Chicago entre 1992 e 2004] e são juristas. Como isso pode significar uma mudança nas relações russo-americanas em comparação com o período Putin-Bush?


Angelo Segrillo: Estas similaridades podem contribuir para criar um clima pessoal mais aconchegante entre os dois nas negociações. Não vão mudar a direção dos assuntos, estipulada por fatores objetivos externos, mas podem contribuir para acelerar ou desacelerar os processos que já estão indo em determinada direção.


Urbi et Orbi: Na imprensa brasileira, fala-se muito do potencial geopolítico e econômico dos BRIC's [acrônimo criado por Jim O’Neill, economista do banco de investimentos Goldman Sachs, para descrever as principais economias emergentes do mundo, representadas por Brasil, Rússia, Índia e China]. Quais são as reais perspectivas de avanço na parceria estratégica entre Brasil e Rússia? Quais os campos mais promissores e onde há desacordo entre Brasília e Moscou?


Angelo Segrillo: Apesar da retórica, a distância geográfica e os interesses globais diversos fazem com que o Brasil não seja uma prioridade da política externa russa (a recíproca é verdadeira, mas de maneira mais fraca). Assim, a tendência, se não houver fato novo, é manter um nível relativamente baixo de transações recíprocas, esquentadas de tempos em tempos por fatores conjunturais. Ao Brasil interessa a tecnologia russa aeroespacial, comércio com fertilizantes e equipamente bélico, etc. O Brasil vende principalmente carnes e diferentes produtos agrícolas. Há potencial para um incremento neste nível de trocas.



O momento da publicação desta entrevista reveladora com Angelo Segrillo sobre a Rússia é extremamente oportuno, em meio à visita de Obama a Moscou em 6 de julho e aos protestos internacionais em reação ao assassinato da ativista de direitos humanos russa Nataliya Estemirova.


E você, caro leitor? Qual a sua opinião sobre a situação da Rússia no mundo de hoje? A crise econômica mundial afetará irreversivelmente o crescimento da economia russa, baseado no petróleo? Moscou chegará a um entendimento com Washington na questão do escudo antimíssil na Europa Oriental? Faça seus comentários, afinal, a sua participação é extremamente importante para o nosso blog.


Os créditos da foto são da Getty Images.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

"A Rússia hoje" -- Entrevista exclusiva com Angelo Segrillo (Parte II)

Segue a segunda parte da entrevista exclusiva de Angelo Segrillo ao blog Urbi et Orbi:

Urbi et Orbi: Alguns observadores internacionais têm apontado um suposto "racha" entre o primeiro-ministro Vladimir Putin e o presidente Dimitri Medvedev em questões como direitos humanos e a crise econômica mundial. Isso é mera especulação ou há evidências concretas nesse sentido? Caso se confirme, qual seria o provável desdobramento de um conflito palaciano entre Putin e Medvedev para a política russa?

Angelo Segrillo: No tradicional espectro “ocidentalistas versus eslavófilos” (i.e., os russos pró-Ocidente e os que querem um caminho próprio, independente dos valores ocidentais), Medvedev é um pouco mais ocidentalista que Putin. Além disso, é menos gosudarstvennik (adepto de um estado forte) que Putin. Assim, há sim a possibilidade de diferenças ou mesmo desavenças entre os dois. Mas, por outro lado, são unidos por um longo tempo de convivência e parceria em comum. Assim, até agora a diarquia (com status sênior para Putin) tem funcionado sem grandes rachas e pode chegar ao final do mandato desta maneira. Caso haja um conflito palaciano, as conseqüências podem ser perigosas para a democracia russa, pois pode haver tentação de utilizar instrumentos autoritários para resolver a questão, já que a constituição russa é semipresidencialista e ambos têm poderes fortes em suas esferas de ação (o presidente nas relações exteriores e defesa/segurança e o primeiro-ministro na política interior).


Urbi et Orbi: A Guerra de Agosto de 2008 contra a Geórgia e os desacordos com a Ucrânia a respeito do fornecimento de gás natural demonstraram o quão problemáticas ainda são as relações de Moscou com os Estados pós-soviéticos. Tendo isso em mente, o senhor vê hoje um movimento de atração ou repulsão em relação à hegemonia russa sobre o espaço pós-soviético?

Angelo Segrillo: a relação das outras ex-repúblicas soviéticas com a Rússia tem variado com o tempo. Por exemplo, Belarus esteve muito próxima à Rússia no período Yeltsin e, surpreendentemente, no período Putin tem se afastado. Geórgia e Ucrânia também já estiveram mais próximas e se encontram bem afastadas. As repúblicas da Ásia central têm flutuado bastante no tempo, oscilando entre escoar seus recursos minerais através da rota mais direta para a Europa (através da Rússia) e diversificar sua clientela juntando-se em parcerias com países do Ocidente. Parecem fazer um jogo de gangorra entre Rússia e Ocidente para ver quem lhes oferece mais vantagens.


Os créditos da foto são da Getty Images.
Aguardem a terceira e última parte da entrevista, que será publicada em breve.

domingo, 5 de julho de 2009

"A Rússia hoje" -- Entrevista exclusiva com Angelo Segrillo (Parte I)

Tornou-se lugar comum falar sobre a importância político-estratégica e econômica da Rússia no contexto internacional atual. O Kremlin tem influência em alguns dos temas mais explosivos da agenda mundial, como os programas nucleares do Irã e Coreia do Norte, a expansão da Otan e o sistema antimísseis dos EUA. Além disso, muito se fala de uma aproximação entre a Rússia e o Brasil, com base nas dimensões continentais dos dois países e em possíveis interesses comuns no cenário global.

Dos especialistas brasileiros dedicados aos Estudos Russos, Angelo Segrillo certamente tem um lugar de destaque, já que foi o primeiro historiador brasileiro a ter acesso aos arquivos da União Soviética após o esfacelamento do país em 1991, com artigos e livros publicados sobre os vários aspectos da sociedade russa, entre eles O declínio da URSS: um estudo das causas e Rússia e Brasil em Transformação. Segrillo possui Mestrado em Língua e Literatura Russa pelo Instituto Pushkin de Moscou e Doutorado em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e escreve regularmente para a imprensa brasileira sobre assuntos ligados à Rússia.

O Urbi et Orbi reproduz com exclusividade a primeira parte da entrevista concedida por Angelo Segrillo a este blog sobre a situação doméstica e internacional da Rússia de hoje:

Urbi et Orbi: Os críticos mais exaltados dos governos de Vladimir Putin [2000-2008] e Dimitri Medvedev [2008-...] tendem a retratá-los como uma continuação das práticas administrativas soviéticas, acusando-os de corrupção e autoritarismo. Em que medida as gestões Putin e Medvedev representam uma continuidade e uma ruptura em relação à experiência soviética e à história política russa?

Angelo Segrillo: Putin foi um participante do aparato soviético (de segurança, ainda por cima). Assim, é natural que guardasse certas atitudes da época anterior. Medvedev já é produto de uma nova era, mas como é ligado ao grupo de Putin, mantém atitudes em comum, com um viés um pouco menos dogmático. Mas seria forçar a barra ir muito além na continuidade com o período soviético em si. Talvez o grande fio condutor seja o conceito de gosudarstvennost´, que inclui uma concepção de um estado sólido como condição necessária para o florescimento da sociedade russa. Esta concepção (bem diferente do liberalismo ocidental) vem desde a época czarista, perpassando o período soviético e continuando até os dias atuais. Acho que é sobre esta linha tradicional e antiga russa que se pode estabelecer elementos de continuidade, mais do que simplesmente com o período soviético, que era um período anticapitalista.


Urbi et Orbi: A crise econômica mundial atingiu a Rússia em cheio. O país está enfrentando altas taxas de inflação e o seu principal produto de exportação, o petróleo, está sofrendo uma severa desvalorização no mercado internacional. Quais são as opções na mesa para os líderes russos superarem a dependência do petróleo e diminuírem a vulnerabilidade econômica externa do país?

Angelo Segrillo: A única solução para diminuir a dependência do petróleo, que é uma riqueza tão grande e abundante na Rússia, é a diversificação da economia procurando sair da esfera dos recursos minerais para as manufaturas de maior valor agregado. Não é um caminho fácil devido à dura competição internacional, mas a Rússia tem o principal elemento para caminhar neste sentido: um capital humano de nível educacional alto.