domingo, 5 de julho de 2009

"A Rússia hoje" -- Entrevista exclusiva com Angelo Segrillo (Parte I)

Tornou-se lugar comum falar sobre a importância político-estratégica e econômica da Rússia no contexto internacional atual. O Kremlin tem influência em alguns dos temas mais explosivos da agenda mundial, como os programas nucleares do Irã e Coreia do Norte, a expansão da Otan e o sistema antimísseis dos EUA. Além disso, muito se fala de uma aproximação entre a Rússia e o Brasil, com base nas dimensões continentais dos dois países e em possíveis interesses comuns no cenário global.

Dos especialistas brasileiros dedicados aos Estudos Russos, Angelo Segrillo certamente tem um lugar de destaque, já que foi o primeiro historiador brasileiro a ter acesso aos arquivos da União Soviética após o esfacelamento do país em 1991, com artigos e livros publicados sobre os vários aspectos da sociedade russa, entre eles O declínio da URSS: um estudo das causas e Rússia e Brasil em Transformação. Segrillo possui Mestrado em Língua e Literatura Russa pelo Instituto Pushkin de Moscou e Doutorado em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e escreve regularmente para a imprensa brasileira sobre assuntos ligados à Rússia.

O Urbi et Orbi reproduz com exclusividade a primeira parte da entrevista concedida por Angelo Segrillo a este blog sobre a situação doméstica e internacional da Rússia de hoje:

Urbi et Orbi: Os críticos mais exaltados dos governos de Vladimir Putin [2000-2008] e Dimitri Medvedev [2008-...] tendem a retratá-los como uma continuação das práticas administrativas soviéticas, acusando-os de corrupção e autoritarismo. Em que medida as gestões Putin e Medvedev representam uma continuidade e uma ruptura em relação à experiência soviética e à história política russa?

Angelo Segrillo: Putin foi um participante do aparato soviético (de segurança, ainda por cima). Assim, é natural que guardasse certas atitudes da época anterior. Medvedev já é produto de uma nova era, mas como é ligado ao grupo de Putin, mantém atitudes em comum, com um viés um pouco menos dogmático. Mas seria forçar a barra ir muito além na continuidade com o período soviético em si. Talvez o grande fio condutor seja o conceito de gosudarstvennost´, que inclui uma concepção de um estado sólido como condição necessária para o florescimento da sociedade russa. Esta concepção (bem diferente do liberalismo ocidental) vem desde a época czarista, perpassando o período soviético e continuando até os dias atuais. Acho que é sobre esta linha tradicional e antiga russa que se pode estabelecer elementos de continuidade, mais do que simplesmente com o período soviético, que era um período anticapitalista.


Urbi et Orbi: A crise econômica mundial atingiu a Rússia em cheio. O país está enfrentando altas taxas de inflação e o seu principal produto de exportação, o petróleo, está sofrendo uma severa desvalorização no mercado internacional. Quais são as opções na mesa para os líderes russos superarem a dependência do petróleo e diminuírem a vulnerabilidade econômica externa do país?

Angelo Segrillo: A única solução para diminuir a dependência do petróleo, que é uma riqueza tão grande e abundante na Rússia, é a diversificação da economia procurando sair da esfera dos recursos minerais para as manufaturas de maior valor agregado. Não é um caminho fácil devido à dura competição internacional, mas a Rússia tem o principal elemento para caminhar neste sentido: um capital humano de nível educacional alto.

Um comentário:

Fernando Marcellino disse...

Bruno, muito boa a entrevista e espero ansioso pela segunda parte.