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terça-feira, 8 de setembro de 2009

Os "Estados fracassados" e a segurança nacional do Brasil



Os ataques de piratas a embarcações de diversas nacionalidades na costa da Somália, a ressurgência do Talibã no Afeganistão e no Paquistão e a atuação da força de paz das Nações Unidas no Haiti são temas que frequentam os noticiários internacionais dos principais veículos de imprensa do mundo. Todos eles têm mais um ponto em comum: são as mais recentes manifestações do processo de fragilização estatal, redundando eventualmente no surgimento de Estados fracassados.


O fenômeno dos Estados fracassados passou a receber atenção da academia em meados dos anos 1980, com o artigo Why Africa’s Weak States Persist: the Empirical and the Juridical in Statehood (1982) e o livro Quasi-states: sovereignty, international relations and the Third World (1990), ambos de autoria de Robert Jackson, seguidos do artigo Saving failed states (1992), de Gerald Helman e Steven Ratner (ALEXANDRINO, 2008, p.1).


O fim da Guerra Fria agravou a problemática em torno dos Estados fracassados, por uma série de fatores: muitos Estados deixaram de ter a sua economia e seu aparato de segurança financiados por uma das duas superpotências; a legitimidade de muitos deles acabou sendo erodida devido à sua incapacidade de solucionar problemas como a miséria, o desemprego e a criminalidade; e os anos 1990 viram a ascensão (ou o recrudescimento) de rivalidades étnicas e de movimentos separatistas que não existiam ou estavam suspensos durante a Guerra Fria, fazendo com que os alinhamentos políticos deixassem de se pautar em termos ideológicos (como ocorria na Guerra Fria) e passassem a adquirir um matiz predominantemente étnico-nacionalista (QUADROS, p.85 in PENNAFORTE, 2008).


Ademais, os profundos deslocamentos geopolíticos ocorridos na época representaram a quarta onda de criação de Estados no sistema internacional nos últimos duzentos anos (CARMENT, 2003, p.411) . Com efeito, mais de vinte Estados foram criados na Europa Oriental e na Ásia, muitos deles sem qualquer precedente histórico, deixando a impressão de que a autodeterminação inesperadamente “caiu no colo” de diversos povos, conforme observa de forma perspicaz Michael Ignatieff (apud CARMENT, 2003, p.407): “[…] huge sections of the world’s population have won the right of self determination on the cruelest possible terms: they have been simply left to fend for themselves. Not surprisingly, their nation-states are collapsing” .


Durante os anos 1990, o fracasso de Estados era considerado predominantemente como um tema humanitário, pois estava relacionado com problemas como a escassez de alimentos, a proliferação de doenças e o crescimento no número de refugiados, motivando intervenções da comunidade internacional em locais como a Somália (a partir de 1992), o Haiti (a partir de 1993) e Serra Leoa (a partir de 1998). Os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 aos Estados Unidos adicionaram uma dimensão securitária à questão dos Estados fracassados, que passou a se tornar extremamente importante na agenda internacional do início do século XXI. A partir desse momento, o fracasso estatal passou a ser apontado como o foco de atividades desestabilizadoras para o sistema internacional, como o terrorismo, a proliferação de armas de destruição em massa, o narcotráfico e a atuação de máfias e organizações criminosas. Diante disso, a chamada Doutrina Bush identificou os Estados fracassados como a principal ameaça aos EUA, pois, na visão do governo norte-americano, eles eram considerados como o ambiente ideal para o desenvolvimento de redes terroristas.


Em 2002, a National Security Strategy, documento que delineia as metas estratégicas do governo norte-americano, declarou de forma inequívoca que a “America is now threatened less by conquering states than we are by failing ones. We are menaced less by fleets and armies than by catastrophic technologies in the hands of the embittered few” (THE WHITE HOUSE, 2002, p.1). Com efeito, a tendência apontada por Washington constitui a essência do fenômeno dos Estados fracassados, que reside em um fato incomum na história do sistema internacional: a segurança coletiva deixou de ser ameaçada pela rivalidade entre Estados com excesso de poder, passando a ser posta em xeque pelo vácuo de poder em determinados Estados (QUADROS, p.85 in PENNAFORTE, 2008). Em outras palavras, enquanto a maior parte da história das relações internacionais foi a história de conflitos entre Estados com projetos expansionistas concorrentes, hoje se percebe que o fracasso estatal (entendido aqui como a persistência de Estados sem meios de reproduzir as condições para a sua própria sobrevivência) também pode trazer instabilidade no âmbito local, regional e global.


[...]


Também deve ser apontada a escassez de análises da academia brasileira sobre o tema; e os poucos estudos que já existem adotam abordagens diferentes. Gisele Novas do Nascimento (2008, p.149-162) disserta sobre a possibilidade de organizações terroristas adquirirem armas de destruição em massa a partir de Estados fracassados, mas restringe sua análise ao mundo muçulmano. Carlos Alberto Pinto Silva (2007) relaciona a existência dos Estados fracassados com a ascensão de conflitos assimétricos no contexto sul-americano. Fabrício Alexandrino (2008) revisita os princípios que embasam o debate sobre os Estados fracassados e se debruça sobre a noção de construção de Estados (state-building), com base nas ideias de Francis Fukuyama. Bruno Quadros e Quadros (in PENNAFORTE, 2008) traça elementos preliminares para o exame dos efeitos dos Estados fracassados para o Brasil. Leandro Nogueira Monteiro (2006) é autor de um dos estudos mais completos sobre o assunto no Brasil, centrado no processo de construção do conceito de Estado fracassado e suas implicações para a Teoria das Relações Internacionais.


O texto acima é um trecho do artigo Os "Estados fracassados" sob uma visão brasileira: conceituação e elementos para a análise de seus desdobramentos securitários, que apresentei na Conferência Internacional Conjunta ISA-ABRI - "Diversidade e desigualdade na política mundial", realizada na PUC-Rio, no Rio de Janeiro, entre 22 e 24 de julho de 2009. Quem tiver interesse em ler o artigo na íntegra, clique aqui.

* Crédito da foto: Getty Images.

sábado, 9 de maio de 2009

Evento: Conferência Internacional Conjunta ISA-ABRI - "Diversidade e desigualdade na política mundial"

CONFERÊNCIA INTERNACIONAL CONJUNTA - "Diversidade e desigualdade na política mundial"

COORDENADORES GERAIS: JOÃO PONTES NOGUEIRA (PUC – Rio) e KAREN A. RASLER (Indiana University)


Organização: International Studies Association (ISA) e Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI)


Realização: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC – Rio)Instituto de Relações Internacionais


Cidade: Rio de Janeiro, RJ, Brasil


Data: 22-24 de julho de 2009


Local: Campus da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC – Rio)

As profundas mudanças ocorridas no sistema internacional com o fim da Guerra Fria alimentaram esperanças de um mundo mais integrado, pacífico e próspero. No entanto, em seu lugar, surgiram conflitos permeados por segmentações culturais, étnicas e religiosas apontando uma nova e perigosa dinâmica no sistema internacional. Permanecem, contudo, dúvidas importantes se soluções positivas para esses conflitos podem ser oferecidas pelas instituições multilaterais com base em um consenso crescente sobre os valores básicos e fundamentais da sociedade internacional. Ao mesmo tempo, a globalização da economia política internacional falhou em difundir um crescimento econômico mais justo e a incorporar sociedades mais pobres ao mercado mundial, conforme alguns entusiastas haviam previsto anteriormente. A crescente tomada de consciência sobre tais desigualdades sociais na política global justifica expectativas de que a questão permaneça uma prioridade na agenda das instituições multilaterais num futuro próximo e de que o progresso se dê gradativamente.

Enquanto isso, questões de diferenças étnicas e de identidade se cruzam com desigualdades sociais e econômicas em um número crescente de conflitos contemporâneos. Sem reduzir uma coisa a outra, um número cada vez maior de acadêmicos de RI consideram os aspectos culturais da política uma das explicações para a exclusão da maioria da população mundial em relação aos benefícios trazidos pelo desenvolvimento econômico. Outros acadêmicos, no entanto, focam nas dimensões estruturais associadas aos ambientes material e institucional como uma das razões para o crescente conflito dentro e entre países e regiões, em termos religiosos, étnicos e culturais. Na América Latina, por exemplo, mudancas politicas recentes em alguns países demonstraram o papel das identidades políticas de populações marginalizadas, como os indígenas, na reestruturação dos estados e suas economias. Este encontro tem como objetivo promover futuras discussões que explorem as questões da diversidade e desigualdade por meio de enquadramentos analíticos integrados.

Outro tópico central deste encontro é analisar como os desdobramentos da política internacional depois de 2001 contribuíram na formação de processos que fragmentaram o sistema internacional em visões de mundo competitivas e produziram profundas e desestabilizadoras assimetrias de poder. Por exemplo, um número crescente de pesquisadores e especialistas têm abordado os desafios da ordem e justiça mundiais reafirmando a necessidade de tratar as desigualdades nas relações Norte-Sul e defendendo alianças alternativas Sul-Sul que busquem o equilíbrio com uma única superpotência. Além disso, os novos dirigentes políticos têm enquadrado o problema da diversidade e pluralidade na política mundial como uma oportunidade para contestar a universalidade das instituições democráticas e liberdades individuais ao estilo ocidental. A forma como e por que essas questões têm surgido na comunidade global constitui uma importante área de pesquisa.

Como campo, as Relações Internacionais se expandiram consideravelmente para além de sua região norte-americana. Um número crescente de estudiosos, instituições acadêmicas e associações surgiram nas últimas duas décadas, dando início a um processo gradual, apesar de ainda desigual, de inclusão de contribuições provenientes de diversas partes do mundo, aos debates da disciplina. Esse processo se reflete na significativa internacionalização das convenções anuais da ISA, na criação da World International Studies Committee (WISC) e na organização de um número cada vez maior de conferências internacionais e regionais – todas as quais contribuíram para um animado intercâmbio entre acadêmicos do mundo inteiro.

A conferência conjunta da ISA/ABRI é a primeira deste tipo na América do Sul e tem como objetivo principal estimular o intercâmbio entre acadêmicos latino-americanos e a comunidade global da área de estudos internacionais. Além de incentivar uma forte representação regional, este encontro é também uma oportunidade para a participação de acadêmicos caribenhos e africanos.

Texto retirado e adaptado de http://www.isanet.org/rio2009.

Mais informações no Blog Oficial do Evento e no site da ABRI.