Em artigo publicado no Washington Post em 22 de abril, o ex-Secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger expôs a sua análise da política externa do Presidente Barack Obama em seus primeiros 100 dias de governo, tratando especificamente dos desafios relacionados ao Irã e à Coreia do Norte (e, por extensão, ao regime de não-proliferação nuclear).
Contudo, o mais interessante do artigo são suas previsões a respeito do sistema internacional (SI). Lá, Kissinger (que é considerado um dos grandes expoentes da vertente realista da Teoria das Relações Internacionais) sintetiza toda a concepção do SI que já havia abordado ao longo de seu célebre livro Diplomacy -- especialmente no primeiro capítulo, em que contrapõe as visões norte-americana e europeia do SI. Segundo suas previsões, o SI das primeiras décadas do século XXI terá vários Estados com "poderes" (ou "capacidades" como querem os neo-realistas) relativamente nivelados, que partilharão as responsabilidades da manutenção da ordem mundial. Até aqui, nada de muito original, pois não é preciso grande exercício profético para perceber que o SI está caminhando rumo à multipolaridade. No entanto, a diferença está na comparação histórica que Kissinger faz entre o possível SI do século XXI e o Concerto Europeu pós-napoleônico. Esta análise, embora ocupe somente algumas linhas do referido artigo, pode ser aprofundada a partir do que Kissinger abordou em Diplomacy.
Eu tive a oportunidade de conhecer Henry Kissinger pessoalmente durante uma conferência internacional sobre o bicentenário das relações diplomáticas entre Rússia e Estados Unidos, que aconteceu em Moscou em novembro de 2007. Na palestra magna que proferiu na Spaso House -- residência do embaixador norte-americano na Rússia, que na ocasião era William J. Burns, hoje Subsecretário de Estado para Assuntos Políticos, o número 3 na hierarquia do Departamento de Estado --, Kissinger falou de sua experiência no trato com os soviéticos e compartilhou suas reflexões a respeito do SI. Perguntei-lhe se, em linhas gerais, o SI das próximas décadas se assentaria sobre bases predominantemente econômicas ou cultural-civilizacionais. Após um aparente embaraço inicial, o qual ele resolveu asseverando que se tratava de sua opinião pessoal (e não uma opinião do ex-funcionário do Departamento de Estado e muito menos um posicionamento do governo dos EUA), Kissinger disse, entre outras coisas, que aspectos políticos seguirão sendo importantes no mundo do futuro, exemplificando que mecanismos como a sanção a um determinado Estado (como o embargo dos EUA a Cuba) continuarão a ser um fator impeditivo para o aprofundamento da interdependência econômica.